ERA UMA VEZ O CINEMA


Amargo Pesadelo (1972)

cover Amargo Pesadelo

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País: USA, 109 minutos

Titulo Original: Deliverance

Diretor(s): John Boorman

Gênero(s): Aventura, Drama, Suspense

Legendas: Português,Inglês, Espanhol

Tipo de Mídia: Cópia Digital

Tela: 16:9 Widescreen

Resolução: 1280 x 720, 1920 x 1080

Avaliação (IMDb):
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7.7/10 (96162 votos)

DOWNLOAD DO FILME E LEGENDA

INDICAÇÕESstar star star star star

Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood, EUA

Oscar de Melhor Direção (John Boorman)

Oscar de Melhor Filme (John Boorman)

Oscar de Melhor Edição (Tom Priestley)

Academia Britânica de Cinema e Televisão, Inglaterra

Prêmio de Melhor Edição (Tom Priestley)

Prêmio de Melhor Trilha Sonora (Jim Atkinson, Walter Goss, Doug E. Turner)

Prêmio de Melhor Fotografia (Vilmos Zsigmond)

Prêmios Globo de Ouro, EUA

Prêmio de Melhor Filme - Drama

Prêmio de Melhor Direção (John Boorman)

Prêmio de Melhor Roteiro (James Dickey)

Prêmio de Melhor Canção Original (Arthur Smith, Steve Mandel, Eric Weissberg)

Prêmio de Melhor Ator em um Drama (Jon Voight)

Grêmio dos Diretores da América

Prêmio por Direção Excepcional (John Boorman)

Grêmio dos Roteiristas da América

Prêmio de Melhor Drama adaptado de material previamente publicado (James Dickey)

Sinopse: Os quatro amigos Ed (Jon Voight), Lewis (Burt Reynolds), Bobby (Ned Beatty) e Drew (Ronny Cox) decidem descer um rio a bordo de uma canoa, antes que toda a região seja transformada numa represa. Após se estranharem com os habitantes locais, eles partem nesta aventura. Mas no segundo dia, algo completamente inesperado acontece e altera para sempre a vida de todos eles.

Quando falamos de aventuras nos dias de hoje, pensamos imediatamente (com algumas raras exceções) em filmes voltados para o público adolescente e que normalmente adotam um tom mais leve na narrativa. Não era assim nos anos 70. E para constatar isto, basta assistir a este “Amargo Pesadelo”, uma aventura que apresenta personagens complexos, envolvidos numa situação extremamente angustiante e perfeitamente possível de acontecer, capaz de sugar o espectador pra dentro da história com enorme eficiência. Escrito por James Dickey, “Amargo Pesadelo” aborda a chegada da civilização e o conflito que o progresso gera entre os habitantes da região e as pessoas das grandes cidades.

Neste caso em especial, é como se a chegada de forasteiros representasse o fim da vida que aquelas pessoas se acostumaram a viver, algo ilustrado no próprio rio, que antes servia para a pesca e a recreação, e agora passaria a gerar energia (o que, ironicamente, possibilitaria o progresso daquela região). Por outro lado, nem todo habitante da cidade grande está confortável com esta situação, e Lewis é o melhor exemplo disto.

Quando Bobby comenta que “existe algo nestas árvores e neste rio que nós perdemos nas cidades”, ele responde “não perdemos, vendemos”, mostrando seu desconforto com as conseqüências do “progresso”. A grande ironia é que a amada natureza revelaria uma face igualmente agressiva e violenta pra todos eles. As grandes cidades não têm o mesmo encanto que as regiões mais afastadas, mas o futuro do grupo serviria para mostrar que nem por isso aquele local poderia ser considerado totalmente seguro como Lewis pensava (“Não acredito em segurança, não há riscos”, diz ele).

Em todo caso, esta face agressiva não pode ser percebida nos primeiros minutos de projeção. Ainda assim, Boorman insere alguns elementos na narrativa que dão pequenas dicas do que poderia vir a acontecer, como no sensacional duelo de banjos entre Drew e um menino da região, que deveria servir para tranqüilizar o grupo naquele ambiente hostil, mas quando Drew tenta cumprimentar o garoto após se empolgar com seu talento e o menino se recusa a tocar sua mão, todos percebem que não são bem vindos ali.

Quando o grupo parte para o rio, Boorman faz questão de mostrar a imagem de um rifle na parte de trás da caminhonete, indicando que aquele passeio não seria tão tranqüilo. As dicas aparecem até mesmo através da direção de fotografia de Vilmos Zsigmond, inicialmente limpa e explorando muito bem as lindas paisagens do local, mas que lentamente vai se tornando mais obscura na medida em que o grupo avança pelo rio. E até mesmo o som ajuda no clima de tranqüilidade inicial, quando as únicas coisas que interferem na conversa do grupo são os pássaros cantando e o barulho da água. O passeio inicial representa a verdadeira paz de espírito que o grupo buscava, ilustrada também na trilha sonora de Michael Addiss, toda tocada em banjo.

Graças à boa montagem de Tom Priestley, o ritmo da narrativa alterna corretamente entre momentos de paz, como quando o grupo sai para pescar, e de tensão, como na difícil passagem entre as pedras. Claramente, na medida em que o grupo avança e os problemas aparecem, os momentos de relaxamento deixam de existir e o longa alcança níveis insuportáveis de tensão. Antes de entrar no rio, o grupo parece estar sempre feliz, como podemos perceber no plano em que Ed e Lewis estão dirigindo sorridentes e as folhas refletem no vidro do carro, ilustrando também a integração entre o homem e a natureza que eles tanto buscavam naquele momento.

Na primeira vez em que precisam passar entre as pedras no rio, repare como o tom é mais descontraído, até mesmo com sorrisos e brincadeiras entre os amigos. Boorman acompanha toda a trajetória do grupo, nos colocando na mesma posição deles através do posicionamento da câmera e nos aproximando definitivamente de todos eles.

Compare este momento com a tensa caçada de Ed ao caipira, onde o diretor provoca calafrios somente através do silêncio e da composição dos planos, como quando vemos o homem armado no segundo plano e Ed dormindo no primeiro. A diferença de clima entre as duas cenas é gritante. Vale observar ainda que durante a subida de Ed pela pedra, Boorman e Zsigmond utilizam um filtro azul para dar a sensação de que a ação se passa durante a noite, numa técnica conhecida como “noite americana”.

E a cena responsável por esta mudança drástica no tom da narrativa acontece de maneira inesperada, pegando o espectador completamente desprevenido. Após o primeiro dia de passeio, o grupo resolve dormir no meio da mata. Neste momento, o silêncio dá a exata noção de isolamento, que era justamente o que eles procuravam, mas que se revelaria algo extremamente perigoso logo em seguida. Na manhã seguinte, o grupo decide se dividir e Ed e Bobby seguem rio abaixo. Mas quando os dois param para descansar na margem do rio, são surpreendidos por dois habitantes locais.

O anunciado conflito entre caipiras e forasteiros da cidade grande finalmente acontece. Neste momento, o espectador já se sente parte daquele grupo, o que só aumenta o choque diante da situação. Após uma tensa discussão, os caipiras, armados, informam que o passeio acabou e o medo toma conta do ambiente. E então, sem desviar a câmera para poupar a platéia, Boorman filma uma agressiva cena de violência sexual, que altera todo o destino daquela viagem e da própria vida daquelas pessoas.

O diretor confirma seu apreço pelo realismo logo em seguida, mostrando detalhes do assassinato de um dos estupradores, como o sangue pingando da flecha e o homem morto pendurado na árvore. Este violento desfecho do confronto e a complicada situação que o grupo acidentalmente se envolve transformam o filme de uma simples e despretensiosa aventura num drama complexo e real, capaz de provocar angústia em qualquer um.

Pessoas diferentes, mas com um objetivo em comum, os quatro amigos começam a aventura demonstrando entrosamento, ainda que existam divergências de opiniões, como fica evidente quando Lewis se deslumbra diante da primeira imagem do rio enquanto Ed pergunta se existiam cobras ali. Até então, as atuações de Voight, Reynolds, Beatty e Cox são bastante descontraídas e o grupo demonstra uma boa química.

Mas é depois da tragédia que o elenco cresce, alterando drasticamente o comportamento de todos eles. Jon Voight se destaca, saindo da posição de mero acompanhante na viagem para se tornar o líder que vai lutar pelo grupo. O ator ainda transmite muita emoção durante um jantar, já depois de sair do rio, quando seu trauma fica evidente.

Burt Reynolds demonstra firmeza nas decisões de Lewis, enquanto o Drew de Ronny Cox se revela alguém firme em suas convicções quando o grupo comete um assassinato. Por outro lado, Ned Beatty, que se saiu muito bem na cena mais agressiva do filme demonstrando o desespero do personagem, não apresenta posteriormente a revolta esperada de uma pessoa que sofreu um estupro, o que é até mesmo difícil de julgar, já que as pessoas reagem de maneiras diferentes diante de situações extremas.

A partir da tragédia, o grupo passa a enfrentar enormes dificuldades, inclusive com um dos barcos virando após a queda de Drew (que apareceria novamente já morto e totalmente desfigurado, em outra imagem de forte impacto). Boorman nos coloca novamente sob o ponto de vista dos personagens, só que desta vez a passagem entre as pedras é infinitamente mais agoniante, pois carrega um peso dramático enorme diante de tudo que aconteceu. A natureza, assim como os nativos da região, havia revelado sua face cruel e perigosa, mostrando que a violência não é um privilégio das grandes cidades, está na essência do ser humano.

Nos últimos minutos de “Amargo Pesadelo”, vemos a imagem de um corpo boiando no rio, seguida por um desesperado Ed, que acorda suado em sua cama ao lado da esposa. O pesadelo de Ed demonstra o medo que ele tinha da polícia descobrir toda a verdade e reflete o quanto toda aquela situação ainda iria atormentar a vida de todos eles. Este é o tipo de desfecho amargo (com o perdão do trocadilho) que os filmes da nova Hollywood se especializaram em entregar ao espectador. Durante duas horas, somos sugados por uma história tensa, repleta de aventura, é verdade, mas com muito mais a dizer do que podíamos imaginar.

 

Elenco: